Em todas as minhas quedas, em suspenses de vida partida, era você quem sabia flutuar. Você me aninhou nos braços naquele dia frio em meio a agosto. Vai saber se foi aí que tudo começou. Minhas manias de gestos tristes num país alegre, meus poucos segredos deixando rastros que nem eu entendia, fatos que eu já tinha esquecido, amores perdidos, saudade presa, e ninguém nunca me acompanhava. Só você, que não sabia nada e descobria o que eu queria. A gente passava na rua alheio a tudo, mas ninguém adivinhava de onde surgia nossa astúcia, nosso teatro mudo de quem se comunica sem palavras. Tanta coisa sobrava. Tínhamos no bolso as cartas roubadas, e nos lábios beijos roubados, e na mente sorrisos roubados. E todo mundo que me olhava dizia que eu não era pra você, mas eu pensava calada que eu nem sabia de verdade se eu era pra vida. Só você que podia me acolher em solidão tão quente. Só você que sabia não perguntar. Só você que me dava abraço em silêncio, sem invadir meus penhascos, sem arrancar minhas grades. Minha falta de procura sempre foi desconfiada. Também não falava sobre o que via. Eu não via nada, eu sempre fui vendada em mim. Então você me olhava bonito, como quem queria tudo, mas não esperava coisa alguma. E era só com você que eu chorava. Porque depois de tanto medo e depois de tanto frio, você me deixava ficar quieta e não soltava da minha mão. Você não precisava pedir pra ficar, você só ficava e seguia comigo. Achei que tinha algum nome pra esse sentimento, mas não te disse. Eu te considerava tão compreensível em suas contradições que você era quase eu. Nosso acerto foi manter a garganta apagada, confiar de olhos fechados. Porque nunca dá certo pra quem fala, não é? Nunca dá certo pra quem enxerga as coisas lá fora. Eu queria demais viver em você. Mas não digo nada. Deixo que o silêncio ore por nós dois.